quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Ser Criança

Há momentos em que sinto vontade de voltar  a ser criança, de fazer coisas que só as crianças fazem...
Quando digo voltar  a ser criança, tenho sempre a percepção de que nunca fui criança durante todo o tempo possível. 
Revolvendo o baú das recordações acho que as minhas memórias de criança, se ficam pelos 7 a 8 anos. E mesmo assim, tanto nesse período e mais ainda nos outros que se lhe seguiram, escuto as vozes habituais com tantos "Nãos"!
Não faças isso que te sujas, não faças porque és menina, não faças porque cais, não faças porque é feio e mais tarde, não faças porque fica mal, não faças porque as pessoas vão falar... 
De toda a minha infância guardo uns quantos momentos em que, às escondidas fiz "asneiras", a que antes chamo, coisas de criança. 
Recordo-me das fugas apressadas para brincar com outra criança vizinha, das viagens fantásticas através das manilhas das águas pluviais que iam ter a uma cerca que me parecia um mundo distante e de onde eu saia suja e cheia de teias de aranha na cabeça e de andar por cima das árvores e dos telhados do pátio da escola onde a minha mãe trabalhava. Era mágico! Sentia-me livre a fazer aquilo que me apetecia, dava livre curso à minha imaginação e via-me personagem principal de contos fantásticos.
 Só as aventuras pelo túnel de manilhas, deram origem a algumas tareias. Os vestígios eram evidentes, mas só deixei de fazer estas viagens, quando fui descoberta à saída. Até lá, arranjava sempre desculpas convincentes, que não me livravam da tareia, por vir tão suja, mas sempre me deixavam a possibilidade de, um tempo depois, voltar a embrenhar-me por aquele caminho fantástico e aterrador. 
Mas a minha aventura maior, foi quando me escapuli e entrei num carrinho de rolamentos de um vizinho. A rua era bastante inclinada e quando me vi, naquela descida vertiginosa de cabelos ao vento, o mundo quase parou, mas o meu coração que já ia disparado, quase me saltou de peito, quando ao longe, entre o sons dos nossos gritos,  das rodas a rodar e a chiar, soou a voz da minha mãe: Maria Luiiiiiiisa.... 
Escusado será dizer o que se passou a seguir, mas garanto que desta vez, nem custou nada. O sabor da aventura atenuou o resto. 
Mais tarde, já na adolescência, fui eu que comecei a dizer a mim mesma, o tal "Não", que me perseguira na infância. E dava comigo obedecendo às mesmas regras, de que não podia, não devia, não ficava bem, era melhor não...
Anos depois, sentia-me muitas vezes criança, quando com os meus alunos fazia brincadeiras e no fundo, divertia-me tanto ou mais que eles 
 Agora nas brincadeiras que crio para os "meus meninos", quando olho para eles e vejo que partilhamos o riso, nesses momentos sinto que a criança que está em cada um de nós, se liberta e está presente.
Hoje, já com mais de meio século de vida e através das leituras que tenho feito ultimamente, acredito que dentro de todos nós há uma criança, a criança que já fomos. Porém dentro de mim, há uma criança sedenta de ser aquilo que nunca  a deixaram ser e talvez por isso, em alguns momentos apetece-me dar-lhe aquilo que ela nunca teve. Dar-lhe a liberdade de o ser! 
Outro dia, diante do mar, num dia não convidativo à praia, senti vontade de me descalçar e correr de braços abertos por ali fora, rindo e gritando. Não o fiz, primeiro porque não estava sozinha e segundo, porque algo cá dentro voltou a dizer: Não, não fica bem, vão julgar que enlouqueceste. Depois pensei: E porque não julgarem que voltei  a ser criança? 
Outros desejos deste tipo me atentam. Desejos de fechar a sombrinha a deixar que a chuva me ensope literalmente, de colocar os pés em todas as poças de água que encontrar, de me rebolar pelo verde dos campos, pelos medos da praia e de fazer mil e uma coisas que não me deixaram fazer na altura própria. 
Sei que é tarde, para todas estas loucuras, mas para a criança que há cá dentro, seria apenas uma compensação, pelo que não a deixaram viver.
Creio que a solução, será voltar a fazer como na infância, às escondidas, cumprir se não todos, pelo menos alguns destes desejos, que para a minha idade são loucuras, mas vistas por outro prisma, são o voltar em plena liberdade, a ser criança!

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