quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Recordações de dias de Inverno

Como na Terça-Feira da semana passada, o tempo estava mau, propus às minhas meninas de Colos, falarmos dos dias de Inverno, no tempo da sua mocidade. 
Contaram-me que era o tempo da apanha da azeitona, iam á púcara e à bolota, iam buscar lenha que traziam em feixes à cabeça e apanhavam pardelhas nos regatos, que depois fritavam. 
Dizem que naquele tempo qualquer regato, por pequeno que fosse, tinha muitas pardelhas. Metiam uma saca aberta dentro de água e tiravam-na cheia de pardelhas.
Em relação aos regatos dizem que era hábito beberem dessa água quando tinham sede, no entanto antes de beber, benziam a água com a seguinte oração:

Nossa Senhora por aqui passou, com um martelinho na mão, para matar todo o bichinho que faça mal ao coração.
Depois de benzida, bebiam a água descansados. 

Com as bolotas que apanhavam, faziam "enfieiras" e depois comiam-nas cruas, cozidas numa panela de barro ou assadas no lume ao serão. 
Falaram muito no "respeito" que tinham pelas trovoadas e de algumas pessoas que conheceram que morreram no campo queimadas pelos raios que caíam sobre as árvores e de algumas vacas mortas.
Dizem que às ovelhas não acontecia nada, porque a lã as protegia. 
Contam que as trovoadas chegavam a durar 1 ou 2 horas. Costumavam tapar todos os metais de casa com mantas de lã (ferros da cama, lavatórios) e até as pessoas costumavam embrulhar-se em mantas de lã. Nessas alturas também não faziam fogo, porque diziam que o fogo atraía o fogo. Chegavam até a apagar os candeeiros e ficar às escuras.
Nesses dias de muita chuva e trovoada, só quem guardava gado, ia trabalhar. 
Durante a trovoada costumavam dizer orações e cantar o "Bendito Louvado".

Bendito Louvado
Bendito Louvado seja o Santíssimo Sacramento da Eucaristia. É do fruto e é do ventre sagrado e é da Virgem puríssima, Mãe Santa Maria.

Oração da Trovoada

Vi vir trovoada
acolhi-me ao travisco,
bradei por Santa Bárbara
acudiu-me Jesus Cristo.

(Recolha feita no Lar de Colos)

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Ser Voluntária

Ultimamente não tenho deixado aqui o registo das actividades que vou desenvolvendo com cada um dos três grupos a que me dedico.
Isto prende-se com o facto de que as actividades acabam por se repetir, pelo que não considero de interesse descrevê-las semanalmente.
O que vos posso dizer é que o tempo cada vez se torna mais escasso para realizar tudo aquilo a que me proponho.
Tenho dado ênfase aos exercícios para exercitar o cérebro, mas também aqueles que proporcionam momentos de alegria e descontracção, em que todos se entregam de uma forma que me surpreende. Adoro vê-los rir, sim porque eles não se ficam pelos sorrisos, riem até às lágrimas com alguns jogos de Expressão Dramática. 
A Actividade Física, que se constitui por exercícios de ginástica e coreografias, continua a representar o  momento alto, que todos continuam a apreciar bastante. 
Depois há a parte da recolha dos saberes que eu valorizo imenso, pelo que tento despertar-lhes as memórias, porque tenho a noção de que há imensas coisas que se vão perder. 
Hoje realizou-se em Colos um Encontro de Idosos de várias Instituições da Santa Casa da Misericórdia. Com imenso gosto e carinho preparei umas actividades com base na ginástica ritmica, com duas coreografias, para dinamizar o Encontro.
O que vos posso dizer? No momento entreguei-me por completo e ver a forma como cada um, de acordo com as suas capacidades, foi colaborando, encheu-me de alegria e de emoção. Ver todos aqueles "meninos" a mexer, uns de pé, outros mais limitados, sentados, aqueles bracinhos todos levantados... foi lindo...
Mais uma vez senti como é gratificante este "trabalho" a que me dedico e que me faz sentir grande, por ter a capacidade de criar momentos de alegria e bem-estar a estes meninos de cabelos brancos.
Cada vez mais me fica  a certeza de que o voluntariado permite-nos trazer o dobro daquilo que levamos. A energia pode vir em baixa, pela intensidade com que me entrego, mas o coração vem cheiinho a deitar por fora!



quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Aniversário do Principezinho

Hoje é Dia de Festa!
 Festa de muito alegria e felicidade. Festa que se vive especialmente dentro de muitos corações.
E não duvido que esta celebração não se fique por esta dimensão, acredito que lá bem longe, do outro lado da vida também seja dia de espreitar cá para baixo com orgulho e emoção.
Como o tempo corre... Parece que foi ontem que me deparei com aquela imagem que jamais se apagará da minha memória, menos ainda do meu coração...
Naquela cama de hospital, eu voltei a ver-me a ser mãe pela primeira vez, só que em meu lugar estava a minha menina feita mulher a oferecer-me o fruto do seu amor.
Ao lado, estava ele, tão lindo, tão doce, tão pequenino...
O meu coração quase explodiu com tanta emoção e pela minha mente corriam a uma velocidade vertiginosa tantos pensamentos...
Mas tudo apagou quando mo colocaram nos braços. Aí só consegui olhá-lo e sentir que uma fonte de amor me transbordava do peito e sem pronunciar palavra, dizia-lhe : meu amorzinho... amo-te muito...
Hoje faz 1 ano que vivi essas emoções tão intensas!
O meu menino está lindo, cheio de energia e eu apesar de longe, sinto-o sempre pertinho do coração.
Não acompanho todas as suas descobertas, mas quando estou com ele, tudo pára na minha vida e ele é o centro onde tudo acontece.
Amo-o muito, mas quero amá-lo com um amor verdadeiro, sem apego exagerado, sentindo-me feliz sabendo que está bem, estando sempre de braços abertos para o acolher e dando-lhe tudo de mim se ele necessitar.
É esta a minha forma de o amar, desejando para ele todas as bençãos que a Vida tem para oferecer e desejando acima de tudo que no seu coraçãozinho crepite sempre a chama do Amor!




quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Actividades Criativas com Idosos

Constituição de histórias

A história inicia-se a partir de uma frase a que cada elemento irá acrescentando outras de modo a constituir o enredo de uma história, ou de uma situação de vida. A trama vai tendo a sua sequência, mas os últimos elementos terão que a terminar.

Ex: Uma noite a D. Júlia estava deitada e ouviu um barulho no quintal...

Devo dizer que a tendência é sempre para inventarem acontecimentos trágicos!

Outra versão

Na passada Terça-Feira, em conjunto com a animadora juntámos várias ideias, e criámos algumas variantes da mesma actividade:

- Histórias contadas com apoio da mímica (gestos)
- Histórias que iam terminar numa cantiga Alentejana previamente estabelecida.
Ex: O sr José andava a pastar um "rebanhito" de ovelhas...  que terminava na cantiga - Lírio Roxo do Campo

Esta última versão foi muito apreciada e tenciono aplicá-la nos restantes grupos.

Expressão Dramática

Cada elemento passa uma bola ou outro objecto, dizendo: tome lá este(a)...
Esta passagem é feita mediante ordens.
- agora está zangada                         - agora quer dar, mas arrepende-se
-agora está contente                         - agora a bola está colada
- agora está a cantar                         - agora a bola está escorregadia
-agora está a chorar                         - Agora a bola pesa muito
- Agora está com medo                    - Agora a bola está muito quente
- Agora vamos subindo o tom de voz
- Agora vamos descendo o tom de voz
                             ..............................................
Devo dizer-vos que as pessoas se entregam de tal forma ao papel que desempenham que o jogo se torna hilariante.

Destreza Manual

Colocados em círculo, cada elemento tem uma bola. Ao som de uma canção, todos vão passando a bola ao colega do lado direito e recebendo a do colega do lado esquerdo. Isto decorre ininterruptamente enquanto dura  a música.
No final, cada elemento deverá ter apenas uma bola na mão.
Quando o jogo não corre bem, poderá haver elementos com 2 bolas e outros sem nenhuma.
Este jogo embora parece muito fácil, requer destreza manual, agilidade e muita atenção.



quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Ao Luar

Nada como ficar no silêncio da noite, ao luar para serenar a mente e o espírito! 
Tanta beleza encanta-me!
De olhos abertos, focados no céu, aprecio  a beleza da luminosidade do luar, das estrelas e dos outros pontos brilhantes que decoram o firmamento.
Cá em baixo, são as sombras dos ramos que a brisa delicada da noite agita  levemente e as outras sombras que se mantêm estáticas e imponentes. 
De olhos fechados o encanto não é menor, porque chegam até mim, um a um os sons, desde os mais próximos aos meus longínquos, quase imperceptíveis. Com eles vêm os aromas e a brisa que me toca a pele como uma carícia. 
Depois, sem a visão a distrair-me a atenção, vejo-me por dentro e sinto que a Paz reina, tanto na mente, como no coração. 
Perante tanto silêncio, a mente fica muda, serena e no peito sinto a mesma limpidez que no céu, sem uma nuvem sequer.
Fico ali extasiada ora passeando por fora, ora passeando dentro de mim e tanto quando estou fora, como quando vou lá bem ao fundo de mim, sinto uma Alegria indescritível, uma Paz sem limites e um plenitude perfeita. 
E ali passei a limpo todas as horas que gastei neste dia que está a findar, não para me julgar e menos ainda condenar, mas para ter a certeza de que estou no bom caminho e que estou a  aprender a aproveitar da melhor forma cada momento que se me apresenta, que estou a aprender a lidar com o medo que sempre me condiciona e também a focar-me o máximo de tempo possível no presente, no Agora, evitando sofrer com as dores do passado, ou de ficar ansiosa com o que poderá vir a acontecer no futuro.
Depois de tudo visto e revisto, fica a certeza de que foi um Bom Dia, desde o primeiro momento e que amanhã a Vida me irá dar de presente mais uma nova oportunidade para novo recomeço! 



quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Se eu Pudesse Transformar o Mundo

Se eu pudesse transformar
O mundo, que bom seria!
Não havia vagabundo
Só havia amor profundo,
Todos tinham alegria.

O rico amava o pobre
E se sentiam iguais!
Não havia homem nobre
Os filhos amavam os pais.

Não se falava de guerra
Neste mundo universal
Havia paz sobre a terra
E não havia nenhum homem
Que a outro fizesse mal.

Pedia aos meus descendentes
Para só falarem verdade!
Dessem provas convincentes
Verdadeiras, conscientes
Para bem da humanidade.

D. Maria Alice (do seu livro editado em 1984)
Aldeia do Cano



Comida (poesia)

Gosto de toda a comida,
nisto sou um campeão.
Como tudo com gosto
mas não sou um comilão.

Gosto de carne assada
e de toucinho entremeado,
de chispe de porco salgado
e gosto também de carne guisada.
Também de língua estufada
e gosto de carne cozida,
de mioleira mexida
e de torresmos gosto muito
e também gosto de presunto.
Gosto de toda a comida.

Gosto muito de espetada
e de carne à  Alentejana,
gosto de rancho à Transmontana
e de uma bela caldeirada,
também gosto de dobrada
e gosto do bom pão,
gosto de empadão,
também de peixe espada,
gosto de uma sardinhada,
nisto sou um campeão.

Gosto de bife de cebolada
e de sopa de cação,
gosto de abóbora com grão
e de lula recheada,
de costeleta panada
e tripas à moda do Porto
e também de entrecosto
e gosto de bacalhau cru,
também gosto de peru.
Como tudo com gosto.

Gosto de farinheira
e gosto de ensopado,
também de peixe grelhado
e de carne à jardineira,
frango à churrasqueira,
também gosto de feijão
e gosto de macarrão
e de caldo verde com chouriço.
Gosto de tudo isso,
mas não sou um comilão.

Sr. Custódio Ramos - Aldeia do Cano

Pura Amizade (poesia)

Pura amizade, é dar
não é magoar.
É incentivar,
não é descrer.
É apoiar,
não é ofender.
É compreender,
não é humilhar.
É defender,
não é julgar.
É aceitar,
não é esquecer.
É perdoar!
Amizade é
simplesmente Amar...

D. Arminda Maria Raposo - Aldeia do Cano

domingo, 6 de outubro de 2013

Passeio pela Praia

Hoje fui visitar o meu amigo Mar!
Mas desta vez foi diferente da maior parte das visitas que lhe faço!
A grande maioria, chego até ele com o coração apertado de tristeza e dor e vou de mansinho, muitas vezes com a torneira da alma aberta, para que ele me ajude a fechá-la, para que ele me alivie a pressão que me comprime o peito.
Todavia hoje foi diferente!
Hoje cheguei até ele de sorriso aberto, de coração sereno e de alma liberta.
Ele como sempre estava encantador e era quase só meu. 
Certo que ele sempre me encanta, mas aprecio-o mais, quando não há muito ruído entre nós. Mesmo que eu raramente fale com ele sem ser através do pensamento, todo o ruído envolvente atrapalha a nossa comunicação.
Mas hoje não, havia silêncio, apenas quebrado pelos sons que lhe são característicos como o murmúrio das ondas a rebentar na praia e a música das aves que o sobrevoavam, no seu feliz e sereno esvoaçar.
Ele estava lá longe, deixando-me areal a perder de vista para percorrer e rochedos para contornar.
E eu ora caminhava, ora parava para me sentar e ficar a contemplá-lo. Mas logo me levantava e continuava  a caminhar, braços abertos à brisa, olhos erguidos, ora para ele ora para o céu e o pensamento perdia-se ora dentro de mim, ora percorrendo rostos e situações vividas, ora fixando uma a uma as belezas que me cercavam. 
A certo momento uma onda de alegria, liberdade, paz e felicidade inundou-me de tal forma, que fez verter lágrimas de emoção e foi aí que lhe falei a ele e à Vida, com palavras que me foram saindo boca fora:
-Obrigada por tantas bençãos! 
-Obrigada por ter olhos para ver e sentir tanta beleza! 
-Obrigada por este coração que me salta no peito e que ainda tem o poder de se encantar! 
-Obrigada pelo amor que não deixa de crescer no meu caminho! 
-Obrigada por ter tudo quanto preciso para viver sentindo-me de bem com a vida, sentindo-me segura.
-Obrigada por poder optar por um qualquer caminho, não por necessidade ou interesse, mas por escolha livre e responsável! 
-Obrigada por cada dia, cada hora, cada momento que me é concedido para aproveitar da melhor forma, para ser eu mesma, sem capas de protecção, sem medos, nem preconceitos.
E depois de tantos agradecimentos, as lágrimas que mesmo assim coabitaram sempre com o sorriso, secaram e eu desfrutei de cada momento, observando cada pormenor como se fosse a última oportunidade que a Vida me estivesse a dar.
Depois voltei a casa, ouvindo dentro do peito uma sinfonia de sininhos, a tocar uma doce e bela melodia. 


Voluntariado Semanal

O tempo fica escasso para o registo semanal das actividades. 
Estas decorreram no Centro de Dia, na Segunda-Feira; na Aldeia do Cano, na Quinta-Feira e excepcionalmente na Sexta , no Lar de Colos.
Com todos os grupos realizaram-se exercícios para trabalhar a memória,  a destreza manual, exercícios de Expressão Dramática e de criatividade, quer com  a composição de desenhos, a partir de figuras geométricas, quer com a continuação de uma história que se iniciou com uma frase a que cada um dos elementos acrescentava outra, até que a história tivesse o seu termo quando chegasse o último elemento.
Este exercício foi experimentado apenas na Aldeia do Cano, para testar o resultado. O grupo aderiu bem à actividade e completámos 2 histórias.
Na próxima semana irei alargá-la ao grupo do Centro de Dia. 
Os exercícios para exercitar a memória, têm sido bem aceites em todos os grupos e os resultados também me têm surpreendido. É certo que em todos os grupos há elementos que têm que ser ajudados. Estes exercícios constam de repetir um determinado número de vocábulos por ordem. O nº de vocábulos a repetir tem a ver com o nº de elementos de grupo, já que cada elemento acrescenta mais uma palavra, depois de ter repetido ordenadamente todas as que já foram ditas. Em cada exercício varia o tema: animais, frutos, objectos...
Houve também em todos os grupos a Hora do Conto e da Poesia. 
As aulas de ginástica decorreram de forma normal, usando como material de apoio as bolas e as garrafas com água.
A coreografia só ainda não foi implementada no Lar de Colos, mas vai sê-lo na próxima semana, já que irá constar do programa de actividades a realizar no final do mês, num Encontro entre utentes de vários Lares, que vai decorrer em Colos. 
Esta coreografia vai ser realizada por todos os elementos do Encontro, sofrendo algumas adaptações de forma a ser praticada de pé pelos elementos mais activos e sentada pelos mais limitados. 
Ficam aqui algumas fotos da semana. 



Centro de Dia 

Aldeia do Cano

Lar de Colos

sábado, 5 de outubro de 2013

Reflexão

Ultimamente, em determinados momentos sinto que se me abre uma janela na mente, por onde descortino com uma lucidez incrível, situações que antes não entendia. 
Parece que sinto que a minha consciência se expande e se faz luz em tantos assuntos, antes obscuros.
A Vida é tão sábia e por trilhos que nem sempre entendemos leva-nos para o nosso verdadeiro caminho. 
Durante estas manobras surgem situações que nos provocam dor, cruzamo-nos com pessoas que nem sempre nos tratam como esperamos. Essas situações e essas pessoas abrem-nos brechas no coração e na alma. Daquilo que nos fazem, ficam mágoas, rancores e por vezes julgamo-nos abandonados por Aquilo em que acreditamos. 
 Mas nada é estático e o que em certa altura nos pareceu mau, foi afinal o sair da escuridão da noite, para a luz do dia.
Há tempos li algures que todas as pessoas com quem nos cruzamos na vida, têm o seu papel no nosso percurso e aquelas que mais mal aparentemente nos fazem, são às que devemos ficar mais gratos, porque elas estão simplesmente a cumprir o seu papel, a sua missão, que é de nos tirar do caminho que não é o nosso.
O que foi mau ontem, que nos pode ter provocado revolta, mágoa e dor, hoje, visto por outro prisma, pode ter-nos aberto outras janelas, por onde a luz mágica da Vida pode chegar até nós. É como se apenas se tivesse fechado uma porta que dava para uma cave escura, onde  deambulávamos caminhando em círculos, sem nunca sair do mesmo sítio. 
Pode parecer tolice, mas neste momento olho com compaixão e até com agradecimento para certas pessoas que se cruzaram no meu caminho.
Recuando no tempo, continua  a haver uma situação para a qual  ainda não encontro resposta convincente. Na perda do meu companheiro, continuo  a não vislumbrar um lado positivo, mas hoje sei mais do que sabia há uns tempos atrás.
Sei que só a maior dor e o maior sofrimento nos consegue despertar para a busca da realidade. 
Sei que muita coisa aprendi desde esse momento fatídico. Agora sou outra pessoa, que valoriza aquilo que é mesmo digno de ser valorizado e ignora o que não o é. Que já não se queixa, por coisas mínimas, que procura soluções e não fica a choramingar colada aos problemas.
Aprendi a conhecer-me por dentro, a apreciar a simplicidade e a beleza da Natureza, a não deixar instalar a amargura no coração e acima de tudo mantive a capacidade de me enternecer com o que é belo e puro, de amar e aprendi a amar  no plural.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Palmeira

Eu herdei uma palmeira e um terreno do avô do meu marido. Pena que já todos eles tenham partido.
A palmeira foi a última, também fiquei muito triste. Era uma planta centenária que em meu tempo mais nenhuma existe.
Eu tinha por ela estimação, o que não é de admirar, pois eu queria para as minhas filhas e netas, aquela palmeira deixar.
Todos temos o mesmo destino, isso sei que é verdade. Todos temos um dia que partir para a eternidade. Eu também acredito, que haja uma ressurreição, isso alguém ha de saber. Só Deus saberá quando isso vai acontecer.
O que escrevo, é verdade, não por ter sabedoria. Escrevo para as minhas filhas e netas, poderem ler um dia.
Quando eu já cá não poder estar, ao lerem estas palavras, de mim se irão lembrar. 

D. Glória - Aldeia do Cano

Poesia - O Destino do Meu Monte

Mote

Está o monte abandonado
só encontro a solidão,
não há gente, não há gado,
faz doer o coração.

I
De manhã quando acordava
ouvia o galo a cantar,
ouvia o cão a ladrar,
avisando que alguém chegava.
Com os meus vizinhos brincava,
mas tudo isto é passado.
O galo já está calado,
alguma raposa o comeu.
O cão de velhice morreu,
está o monte abandonado.

II
Ainda pensei que voltava,
para ouvir os passarinhos,
para ver os vizinhos,
como quando lá morava,
a bola com que eu brincava,
para ver o meu pião,
mas tudo foi ilusão,
tudo isto se findou.
Agora já lá não vou,
tudo isto é solidão.

III
O mato já chega à porta,
só o que vejo é silvados,
vejo os campos abandonados,
não se sabe onde era a horta.
A sua lida está morta.
Ele foi abandonado,
já lhe voou o telhado,
já caíu a arramada,
já não serve para nada,
não há gente e não há gado.

IV
Havia perús, galinhas,
ninhadas de pintainhos
e para fazer os seus ninhos
nos beirais, as andorinhas.
Ouviam-se as avezinhas
desde a Primavera ao Verão
e ouvia-se o trigueirão
a cantar de bico aberto.
Hoje está tudo deserto,
faz doer o coração.           

Arminda  Maria Raposo - Aldeia do Cano


Ser Criança

Há momentos em que sinto vontade de voltar  a ser criança, de fazer coisas que só as crianças fazem...
Quando digo voltar  a ser criança, tenho sempre a percepção de que nunca fui criança durante todo o tempo possível. 
Revolvendo o baú das recordações acho que as minhas memórias de criança, se ficam pelos 7 a 8 anos. E mesmo assim, tanto nesse período e mais ainda nos outros que se lhe seguiram, escuto as vozes habituais com tantos "Nãos"!
Não faças isso que te sujas, não faças porque és menina, não faças porque cais, não faças porque é feio e mais tarde, não faças porque fica mal, não faças porque as pessoas vão falar... 
De toda a minha infância guardo uns quantos momentos em que, às escondidas fiz "asneiras", a que antes chamo, coisas de criança. 
Recordo-me das fugas apressadas para brincar com outra criança vizinha, das viagens fantásticas através das manilhas das águas pluviais que iam ter a uma cerca que me parecia um mundo distante e de onde eu saia suja e cheia de teias de aranha na cabeça e de andar por cima das árvores e dos telhados do pátio da escola onde a minha mãe trabalhava. Era mágico! Sentia-me livre a fazer aquilo que me apetecia, dava livre curso à minha imaginação e via-me personagem principal de contos fantásticos.
 Só as aventuras pelo túnel de manilhas, deram origem a algumas tareias. Os vestígios eram evidentes, mas só deixei de fazer estas viagens, quando fui descoberta à saída. Até lá, arranjava sempre desculpas convincentes, que não me livravam da tareia, por vir tão suja, mas sempre me deixavam a possibilidade de, um tempo depois, voltar a embrenhar-me por aquele caminho fantástico e aterrador. 
Mas a minha aventura maior, foi quando me escapuli e entrei num carrinho de rolamentos de um vizinho. A rua era bastante inclinada e quando me vi, naquela descida vertiginosa de cabelos ao vento, o mundo quase parou, mas o meu coração que já ia disparado, quase me saltou de peito, quando ao longe, entre o sons dos nossos gritos,  das rodas a rodar e a chiar, soou a voz da minha mãe: Maria Luiiiiiiisa.... 
Escusado será dizer o que se passou a seguir, mas garanto que desta vez, nem custou nada. O sabor da aventura atenuou o resto. 
Mais tarde, já na adolescência, fui eu que comecei a dizer a mim mesma, o tal "Não", que me perseguira na infância. E dava comigo obedecendo às mesmas regras, de que não podia, não devia, não ficava bem, era melhor não...
Anos depois, sentia-me muitas vezes criança, quando com os meus alunos fazia brincadeiras e no fundo, divertia-me tanto ou mais que eles 
 Agora nas brincadeiras que crio para os "meus meninos", quando olho para eles e vejo que partilhamos o riso, nesses momentos sinto que a criança que está em cada um de nós, se liberta e está presente.
Hoje, já com mais de meio século de vida e através das leituras que tenho feito ultimamente, acredito que dentro de todos nós há uma criança, a criança que já fomos. Porém dentro de mim, há uma criança sedenta de ser aquilo que nunca  a deixaram ser e talvez por isso, em alguns momentos apetece-me dar-lhe aquilo que ela nunca teve. Dar-lhe a liberdade de o ser! 
Outro dia, diante do mar, num dia não convidativo à praia, senti vontade de me descalçar e correr de braços abertos por ali fora, rindo e gritando. Não o fiz, primeiro porque não estava sozinha e segundo, porque algo cá dentro voltou a dizer: Não, não fica bem, vão julgar que enlouqueceste. Depois pensei: E porque não julgarem que voltei  a ser criança? 
Outros desejos deste tipo me atentam. Desejos de fechar a sombrinha a deixar que a chuva me ensope literalmente, de colocar os pés em todas as poças de água que encontrar, de me rebolar pelo verde dos campos, pelos medos da praia e de fazer mil e uma coisas que não me deixaram fazer na altura própria. 
Sei que é tarde, para todas estas loucuras, mas para a criança que há cá dentro, seria apenas uma compensação, pelo que não a deixaram viver.
Creio que a solução, será voltar a fazer como na infância, às escondidas, cumprir se não todos, pelo menos alguns destes desejos, que para a minha idade são loucuras, mas vistas por outro prisma, são o voltar em plena liberdade, a ser criança!