quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Meu Anjo do Céu


Aproxima-se a data que durante alguns anos me doeu tanto...
Com a sua proximidade, aumentava a dor que parecia rasgar-me por dentro. Quando chegava o dia, sentia que pouco havia inteiro em mim....
Depois com o tempo, a pouco e pouco esse efeito destruidor foi atrasando, depois os efeitos minimizaram e agora, ao aproximar-se sinto uma grande tristeza que me aperta o coração e por vezes molha-me o rosto...
Estou certa que antes sofria mais por mim mesma.... Sentia-me só, perdida.... sem chão... sem vontade.... sem coragem.... sem vida....
Hoje a tristeza que me invade, é por ele, meu companheiro de longa jornada, meu amigo do céu. Por ele que partiu.. Pelo que perdeu.... Pelo que aqueles que mais amava perderam com a sua ausência...
Ao pensamento as memórias chegam com mais frequência, porque, independentemente das datas, elas estão sempre a saltar do baú secreto.... não há chave que as mantenha fechadas....
Sei que não foi uma relação perfeita. Talvez hoje as imperfeições fiquem mais claras, mas continuo a sentir que o bom sempre prevaleceu, porque havia algo para além de tudo.... algo para além do que se passava cá fora.... algo que vinha do fundo de nós.... talvez para lá de nós... algo que fazia  adivinhar palavras, pensamentos...até silêncios...
Dou por mim a pensar o quanto preferia que o nosso amor tivesse terminado e ele se mantivesse do lado de cá da vida, a amar e ser amado por outro coração que não o meu... a viver feliz... a ver com os olhos do corpo a felicidade daqueles que foram feitos de nós... Enfim.... Sonhos... Como se fosse possível outro amor dele ou meu, se o meu companheiro de longa jornada se mantivesse do lado de cá... 
Hoje esse amor mantém-se na forma espiritual e as memórias daquilo que um dia foi, continuam a saltar do tal baú secreto de forma aleatória, porque não há chave suficientemente forte que as prenda... 
Descobri que é possível voltar a amar, mas é impossível esquecer quem se amou de verdade...
 Agora prossigo a jornada, de alma serena, de consciência tranquila e estou grata porque voltei a ter alguém especial que está disposto a dar-me a mão e tornar a minha caminhada mais suave, mais alegre e menos solitária.
Será sempre mais agradável podermos partilhar a caminhada com quem nos entenda, nos respeite e nos queira bem...E para mim, será sempre mais gratificante ter alguém de quem cuidar...
 Assim sinto-me acompanhada dos 2 lados da vida... 
Serei eternamente grata! 



quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A minha Mãe

Também num Dezembro, partiu a minha mãezinha! Daqui a poucos dias faz 14 anos!
A "menina" Maria Emília, auxiliar de limpeza da escola da Rua da Bica Santa.... ex-escola masculina....
São de lá as minhas primeiras lembranças...
A minha mãe contava que por milagre havia curado a tuberculose óssea para ter alta a tempo de me salvar...
Quem sabe não teria razão!
Nada é por acaso e eu tinha uma missão a cumprir, teria que ficar por cá.
Foi sem dúvida a minha melhor amiga nos tempos de adolescência. Era a ela que contava os meus sonhos, o desgosto da minha primeira paixão platónica, as mágoas que deixava que me atingissem, os efeitos da minha auto-estima quase nula...
Foi minha aliada quando a Vida me trouxe o meu primeiro verdadeiro amor. Protegeu-me e ficou do meu lado, quando fui obrigada a fazer a escolha que o meu coração ditava.
Trabalhou muito mais tempo do que a sua saúde permitia, para que eu alcançasse o meu Grande sonho, que era também o dela: da sua filha não ter um trabalho tão pesado e ser mais respeitada do que ela o era muitas vezes.
Por tudo isto, fui-lhe eternamente grata e ofereci-lhe os melhores anos do meu tempo de vida.
Era tão doce, a minha mãe!
Porém os anos de debilidade e sofrimento pintaram-lhe o coração com tonalidades de amargura... 
Também hoje elevei o meu pensamento até ela, o que estranhamente não faço com a frequência que seria natural.
Questiono-me algumas vezes acerca da razão de tal facto e a única que encontro é que vivi durante anos em função dela, vendo o seu sofrimento, ora de uma forma extremamente resignada e depois meio alienada. Talvez por isso,  quando partiu, encerrei um capítulo que evito recordar... quem sabe por medo... Medo de me esperar um sofrimento idêntico...
Mas hoje reabri a caixa e fiquei a reviver tudo, com a serenidade que o distanciamento das coisas e a evolução trazem.
Mais uma vez lhe disse como a amava e como lamentava não a ter cuidado até ao último momento...
Pedi-lhe perdão, como sempre peço, pelos momentos em que o desespero me diminuía a  paciência e a capacidade de desempenhar tantos papéis ao mesmo tempo: ser filha a tempo quase inteiro, mas também ser esposa, mãe, profissional, dona de casa...
Acredito que esteja num lugar iluminado e tenha cumprido a missão que a trouxe cá. 
Abençoo-a por me ter trazido à vida ....


A minha mãe (de pé, à direita) no antigo Sanatório do Outão, onde esteve internada durante mais de 9 meses, entre os 3 meses de gravidez e os meus quase 4 meses de vida ). Durante esse tempo esteve impossibilitada de estar comigo, de cuidar de mim.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O meu Pai


Hoje, enquanto vagueava pelo caminho das memórias, chegaram ao meu pensamento todos aqueles que amava e já partiram para o outro lado da Vida....
Porque a data do calendário, assim o exigiu, detive-me nas memórias que guardo do meu pai.... o Senhor Fonseca... mestre sapateiro...
Partiu num Dezembro de há 26 anos...
O meu pai era um homem que guardava no peito uma revolta pelas dores que havia passado na infância e adolescência, pelas mágoas que guardava do seu próprio pai. Tudo isto lhe havia de alguma forma endurecido o coração.
Gastou o seu tempo de vida a acumular aquilo que poderia ter recebido por herança.
Apesar disso, guardo dele doces recordações de infância, como ficar na cama com ele nas manhãs de domingo a fazer-lhe penteados, as idas à praia,  quando num Natal me levou a passear ao café, ou me levava a Colos, sua terra Natal e me mostrava com orgulho à sua família...
Mais tarde, o meu espírito livre, entrou em conflito com os planos que havia traçado para mim e apesar da sua forma peculiar de tantas vezes me impedir de cumprir pequenos desejos, que na altura eram grandes, não conseguiu vergar-me à sua vontade...
Nas minhas Grandes escolhas e decisões, fui forçada a contraria-lo, porque a minha essência assim o determinou....
Entristeceu-me imenso que assim fosse, doeu-me muito, mas não permiti que a sua vontade se cumprisse e suportei a tristeza de sentir que nunca aceitou a que para mim foi a principal e Grande escolha.
Hoje, com mais sabedoria, aceito, entendo-o e sei que o fez por amor, daquela forma que ele sabia amar.
Amei-o muito e fiz tudo por ele até ao momento em que segurei a sua mão na hora em que partiu...
Hoje dediquei-lhe algum do meu tempo, falei com ele e disse-lhe que o amava muito, que sempre o amei e que muito antes da sua partida lhe havia perdoado toda a tristeza que me havia feito sentir...  
Agradeci-lhe por ter permitido que eu concretizasse o meu sonho de ser professora e pedi-lhe também perdão por não lhe ter dado essas alegrias que ele tanto desejava, mas acredito que do lado de lá, as almas recuperarão toda a sabedoria e ele terá entendido porque o não fiz.


( Praia das Furnas- Vila Nova de Milfontes, há mais de 50 anos.
O meu pai e a minha mãe, do lado esquerdo e eu, a menina de chapéu)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

A minha Avozinha

A minha avozinha, foi a primeira pessoa que perdi!
Era-me muito próxima, porque ajudou a cuidar de mim desde que pude desfrutar do conforto de um verdadeiro lar.
Guardo dela imensas recordações desde tenra idade!
Lembro as vezes que lhe fugia para brincar fora do seu raio de acção. De como gostava de a ouvir contar histórias e relatos da sua adolescência, quando "servia" em Lisboa, em casa de senhores ricos, "no tempo dos reis"....
Só não gostava quando tinha que dormir na sua casa, porque tinha medo de a ver com o lenço branco que colocava na cabeça quando se deitava... 
Ainda tenho presente o quadro que tinha sobre a cabeceira, os frascos com plantas que pendiam pelas paredes ... e o gosto das papas de farinha de milho... o feijão com arroz e umas lulas recheadas que fazia  com quase nada e que ainda hoje sinto o cheiro e a saliva cresce-me na boca, só de lembrar o sabor....
A minha avó era uma mulher de personalidade muito forte, como se costuma dizer "tinha pelo na venta".
Não era fácil de lidar, mas eu adorava-a e comigo normalmente era dócil.
Nos seus melhores relatos, contava que, quando era nova, tinha ficado a viver em Odemira com os primeiros filhos e o marido viera para o Cercal em trabalho. Não sei como, mas constou-lhe que o meu avô andava por cá numa aventuras amorosas. Então não teve com meia medidas. Alugou uma carroça, juntou os poucos pertences e meteu-se a caminho com os filhos, rumo ao Cercal. 
Cá chegada, exigiu ao marido que arranjasse uma casa para aqui ficar e o meu avô teve que lhe fazer a vontade, acabando-se assim as aventuras fora de portas.... 
Acho que lhe herdei um pouco a garra e a determinação ou teimosia.... 
Partiu tinha eu 16 anos e na véspera da sua partida, num momento de estranha consciência e aparente lucidez, transmitiu-me uma mensagem intensa, acerca de um assunto de que não tinha conhecimento. 
Foi como se ela fosse apenas o veículo e a mensagem viesse do além... 
Essa mensagem foi determinante para a tomada de uma grande decisão, que envolveu todo o meu percurso de vida. 
Maria Emília Amaro, era a minha avozinha, que partiu com mais de 90 anos....
Esteja onde estiver, do lado de lá, ou novamente do lado de cá, que o seu espírito esteja iluminado!
(No seu tempo de mocidade. Datada de 1902)
(Como a conheci. Ao lado o meu avô, que nunca cheguei a conhecer.)