sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Saudades das "Minhas Meninas"

Devido a um pequeno acidente, que me deixou impossibilitada de sair de casa, não tenho podido deslocar-me a nenhum dos dois locais onde faço voluntariado.
Tenho saudades! E também julgo que "as minhas meninas" devem estar preocupadas, achando que pode ser mais grave do que realmente é. 
Ultimamente durante as nossas conversas, tenho estado a fazer alguma recolha sobre hábitos e costumes do tempo da sua mocidade: como se divertiam, as raras idas à praia, os trabalhos que realizavam, o vestuário e calçado, os namoros, os casamentos... 
Tenho já alguma informação sobre alguns destes temas, mas ainda preciso de mais umas conversinhas, para que possa apresentar um testemunho, o mais genuíno possível dos mesmos. 
Também gostava de arranjar algumas fotografias antigas...
Espero bem poder regressar até ao fim da próxima semana a estas minhas atividades.

Reaprender a Viver


Reaprender a viver! Quem disse que seria tarefa fácil?
Pela vontade de quem se recusa a baixar os braços e como quem sempre arranja alguma garra para se lançar em todas as lutas, assim me lancei neste empreendimento.
Foi como se tivesse iniciado uma longa viagem da qual apenas conhecesse o ponto de partida. 
De bagagem apenas juntei uma réstia de coragem que fui buscar ao baú das memórias, onde reencontrei o teu desejo de me veres feliz. 
Nele encontrei também a capa de guerreira que tu conhecias até melhor que eu e me lembravas de vestir sempre que a força para lutar me abandonava. 
A energia para tamanha jornada, busquei-a no fundo do coração, onde ela continua a brotar fruto da chama do amor que nele crepita.
Com tão poucas armas fiz-me à estrada, receando as quedas e os tropeços!
Sabia de antemão que este reaprender não seria empreitada fácil. 
Sabedora de tudo o que me espera e com a coragem com que o teu amor me armou, iniciei caminho, ciente que algures estará sempre um anjo pronto a socorrer-me e a levantar-me após cada tombo. Um anjo que respirará orgulho pela obra feita!
Assim iniciei esta jornada, sem tempo para terminar, sentindo que a força e a coragem irão crescendo após cada batalha, fazendo aumentar as armas com que contarei nesta luta colossal que é o reaprender a viver.

(texto escrito em 4 de junho de 2008)

Percurso pela Psicoterapia

Cerca de três anos e meio após a perda iniciei um ciclo de psicoterapia. Confesso-vos que o fiz sem esperança, mais para que houvesse menos um motivo para me aborrecerem, ao dizerem que eu não queria recuperar.
Na primeira consulta abri-me sem esforço, ou porque senti empatia com o psicólogo, ou porque senti que finalmente encontrara alguém que me deixava falar sem me dizer para mudarmos de assunto, que me deixava chorar sem dizer que já chegava e que não me acusava por ainda estar a sofrer, como quase toda a gente, que sempre me dizia que já tinha passado muito tempo. Por isso aceitei voltar e iniciar um período de sessões.
Se foi fácil? Não, nada fácil ou devo dizer até muito difícil! E difícil em várias fases.
De início foi muito doloroso! Tratava-se de remexer em tudo, de fazer abrir cada ferida que apenas fechara por fora, mas por dentro continuava em carne viva. Sentia o peito pisado como se tivesse sido atropelada por algo gigantesco. Podia ter rareado as sessões, não ir semanalmente, mas estava a ser tão duro "desarrumar a casa", que eu queria despachar-me depressa. Afinal já havia muito que tratava o sofrimento por tu! 
Depois veio a segunda fase em que passei a ir duas vezes por mês e essa não foi menos difícil, pelo contrário. Foi nessa que diversas vezes fui tentada a desistir. Achava que andava em círculos, acabando sempre por ir parar ao mesmo sítio. Achava que estava sempre tudo na mesma. Várias vezes saía do gabinete e pensava: O que vim aqui fazer hoje? Não volto mais!
Quando chegava à recepção, acabava por marcar nova sessão, mais por descargo de consciência,pensando que um ou dois dias antes talvez desmarcasse. Cheguei a dizer ao psicólogo que já me sentia mal de estar sempre a dar-lhe as mesmas respostas e de não sair do mesmo sítio. Que o estava a cansar e que talvez não houvesse solução para mim! 
Com muita paciência acabei por continuar e a pouco e pouco "os móveis foram entrando nos compartimentos e as caixas, nas gavetas". Não sei como, mas conseguimos! Sim, tenho que falar no plural, porque ainda hoje estou agradecida ao Dr. Acácio Santos, pela paciência e pelo trabalho que desenvolveu comigo.
Ele ajudou-me a voltar à vida, a perdoar-me, a perdoar o meu companheiro e até outras pessoas de quem guardava mágoas, a sentir vontade de continuar a viver e a ambicionar reencontrar a felicidade, mesmo que de um modo diferente. Também me sinto orgulhosa de ter resistido à tentação de desistir e ter levado a terapia até ao fim.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Regresso à Vida


Parece que uma eternidade já passou! Há tanto que partiste! Há tanto que eu fiquei naquela encruzilhada, ladeada pelos caminhos da dor, da tristeza, da angústia, da revolta e da negação. Tanto tempo já passou e eu mantive-me lá, alimentando-me da raiva e do desalento. Dando passos pequenos e mesmo assim recuando inúmeras vezes, voltando e esvaindo-me em dor e em pesar.
Um dia cansei-me de tal encruzilhada e decidi partir, seguir viagem.
 A pouco e pouco fui contornando alguns caminhos, deixando outros para trás. Quis ganhar força e encetar a viagem de regresso à vida. Viagem que sabia ser longa. Viagem para a qual a coragem e a força tantas vezes me faltaram. Viagem penosa e sangrenta, onde tantas vezes caí, ficando demasiado tempo à espera da força e da coragem para me erguer de novo e voltar a caminhar. Viagem de dor e tormenta, em que me valeu esta força, que estou ciente me vinha de ti.
Quando a dor agudizava e a esperança de alcançar a paz sucumbia, sentia que as tuas asas invisíveis me abraçavam, aliviando-me aquela dor que ameaçava rasgar-me até às entranhas.
Depois de tantas quedas, de tantos avanços e recuos, eis que cheguei até onde, embora longe, consigo descortinar a luz da vida.
(texto escrito em maio de 2008)

Quando Partiste



Quando partiste levaste contigo parte da minha alma, que acredito te quis acompanhar nessa viagem que não querias fazer.
Deste lado da vida, ficou-me a pele que cobria um corpo descarnado, por força do sofrimento que antecedeu a tua partida e da dor do tempo que lhe seguiu.
Por dentro só sentia que não ficara oca, pela dor penetrante que sentia e que parecia querer consumir o pouco que restava de mim.
E era esse resto que por ser tão pouco e tão insignificante, me mortificava tratar. Doía lavar e doía cobrir. Era como se a água ao cair sobre ele o rasgasse e pusesse a nu a ferida desmedida que sentia no peito e que gorgolejava dor, angustia, tristeza, saudade, mágoa e revolta.
Cada adormecer avivava em mim a esperança de estar a terminar tamanho suplício e cada despertar reacendia a dor por ter que suportar nem que fosse mais um dia nesta dimensão que eu tinha urgência em deixar.
Assim qualquer coisa servia para tapar aquele corpo que eu não sentia, que ficara num mundo de onde eu, se pudesse partiria. Cobri-lo estava à mercê do que a mão alcançasse ao abrir da primeira porta ou da primeira gaveta.
E os dias foram correndo e os meses e até os anos.
A pouco e pouco o corpo foi ganhando a forma de antes, mas a dor que vinha de dentro, essa mostrava que a ferida se mantinha, surgindo porém de tempos a tempos momentos de bonança que abriam em mim a ilusão fugaz de que havia iniciado o caminho da cura.
Sem me dar conta, comecei a abrir mais que uma porta, ou mais do que uma gaveta para o cobrir e o contacto com a água passou o ter o efeito purificador e catalisador que lavava as minhas mágoas, que aliviava a minha dor e que trazia alguma paz ao meu coração. Assim foi-me trazendo a esperança de que o tempo será o único remédio que me poderá conduzir de novo à vida, não àquela que tinha antes de partires, mas a que me ficou por inventar, por descobrir, de forma que o tempo que me resta aqui, deste lado da vida, me traga paz e algum prazer.

(Texto escrito em maio de 2008)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Versos e Lembranças de D. Luísa Fernandes

Despedida
Despedida, despedida
Como eu fiz e vou fazer
Boa tarde minhas senhoras
E meninas, até mais ver.

Despedida, despedida
Sabe Deus quem se despede.
Quem se despede cantando,
Tem a despedida alegre!

 
Canção
Oh Rita arredonda a saia
Oh Rita arredonda bem
Depois da saia rodada
Em qualquer mulher está bem!

Em qualquer mulher está bem
Seja alta ou baixinha
Oh Rita arredonda a saia
Redondinha, redondinha.

Redondinha, redondinha,
redondinha aos caracóis,
esta é que é a moda nova
que trouxeram os espanhóis.

Que trouxeram os espanhóis
Que trouxeram os franceses.
Esta é que é a moda nova
Dos soldados portugueses!

Minha Fala
Minha fala, minha fala
Minha fala não é esta
A minha fala era boa
E esta agora não presta! 

À frente da minha porta

À frente da minha porta
Andam as penas voando
Todas saem do meu peito
E eu disfarço cantando.
Esta é uma carinhosa homenagem a D. Luísa Fernandes, que infelizmente já não está entre nós. Na altura da recolha esta senhora tinha 93anos. 

Frutos da Minha Árvore

Há muitos anos plantei uma árvore! Não a plantei sozinha, tive a ajudar-me outras mãos, outros braços e outro coração. Esta minha árvore, ou devo dizer nossa árvore, foi plantada a dois. E a dois foi tratada e a dois foi regada e muito cuidada, como se de um tesouro se tratasse. 
De vez em quando, algum esquecia-se de a regar, mas o outro sempre se lembrava e por isso ela cresceu forte e saudável, enriquecida pelos sentimentos e emoções que partilhávamos enquanto dela cuidávamos. A poção mágica com que a alimentávamos era uma mistura de carinho, de ternura, de amizade, de respeito, de tolerância, de companheirismo, de amor e paixão. 
Logo que  as suas raízes ficaram bem presas à terra, começámos a sonhar com o seu primeiro fruto e cheios de emoção e ternura, esperávamos ansiosamente o momento em que brotasse a primeira flor. 
Um dia ela desabrochou e os risos misturaram-se com as lágrimas! A alegria, a felicidade e a emoção falaram mais alto! 
Depois a flor virou fruto e quando ficou completo, podemos vê-lo por inteiro, podemos tocá-lo e cheirá-lo. Quanta emoção! Um fruto feito de nós! O primeiro, gerado pela nossa árvore do amor! Lindo, tão lindo! Um fruto que se via, ia ser forte e queria ganhar o mundo, aquele mundo que nos faz falta, o mundo dos sonhos, dos afetos, do amor, da alegria e da felicidade!
Anos mais tarde, apanhados desprevenidos a nossa árvore presenteou-nos de novo! Não demos pelo desabrochar da flor e quando nos apercebemos o fruto já vingara! Quando soubemos que a nossa árvore estava de novo a frutificar, a emoção não foi menor! A força que nos cresceu no peito, fazia-nos tanta falta no momento! Dependíamos dela para alimentar a nossa árvore e para nos alimentar a nós, que nos encontrávamos vergados pelas agruras da vida. 
Por isto este fruto foi especial!
 E como o outro cresceu, ficou completo e ganhou vida nos nossos braços, para ser guiado pelas nossas mãos e aprender a conhecer as riquezas da vida, pela cartilha dos nossos corações. 
Há muito que os meus dois frutos se soltaram da minha árvore, de que também há muito cuido sozinha. Enche-me de felicidade vê-los a criar ou a planear criar a sua própria árvore que desejo seja robusta e linda como a que lhes deu vida. 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Versos da D. Beatriz Oliveira

Não tenho quem me domine
Estou na minha liberdade
Enquanto tiver juízo
Deixem-me andar à vontade!

Eu não tenho por quem mande
O meu bem é uma lembrança
Mandarei no meu sentido
Já a cabeça não alcança

Não cuides que só me lembro
Quando te vejo a meu lado
As saudades de longe
É que me têm matado!

Quando eu me assomo à porta
Lanço os olhos à verdura
Vejo bandear a erva
Meu amor se me afigura

Ora viva, para que viva
Quem agora aqui chegou
Eu estava para me ir embora
Agora já me não vou!

Não há luz que mate o sono
Nem flor como a urtiga
O meu gosto é ver-te sempre
Ainda que eu nada te diga!

Os beijos do pai são doces
E os da mãe mais doces são
Os beijos da minha amiga
Não têm comparação!

Oh meu amor, se eu pudesse
A toda a hora te estar vendo
Não vejo mas estou pensando
Sempre me estás entretendo!

Oh meu amor se eu pudesse
Falar contigo uma hora
Vejo que não pode ser
A alma do meu peito chora!

Estes versos foram recolhidos quando a D. Beatriz (à direita) tinha 96 anos. Esta senhora ficou impossibilitada de frequentar o Centro de Dia, após uma queda.