Quando alguém que muito amamos parte para o outro lado da
vida, somos forçados a entrar na maior guerra em que
algum dia julgámos vir a combater. Esta guerra é feita de tantas batalhas que
nunca poderemos saber se alguma vez irá ser declarada a paz.
Hoje sei que a paz
um dia acaba por chegar, mas durante anos, duvidei que isso um dia fosse acontecer.
É uma guerra longa, que quase nos destrói o corpo e a alma. Uma guerra que só
suportamos porque num instinto de mera sobrevivência, inventamos formas que nos
permitem descansar pelo tempo indispensável a continuarmos a viver, embora uma vida
fictícia. Agarramo-nos a algo que nos faça esquecer, enchemos a vida de tal
forma que quando a noite chega o cansaço do corpo nos deixe de tal modo
extenuados que o sono chegue depressa e que o tempo para chorar fique reduzido. Também podemos entrar num mundo visionário, no qual nos parece que aquele que
partiu e que continuamos a amar, está algures mas pode voltar a qualquer
momento, ou está perto, mesmo ali a nosso lado, só que de uma forma que apenas
ficou invisível aos olhos do corpo; ou então que está à nossa espera do outro
lado da vida e apenas temos que ter paciência e saber esperar o momento de
voltarmos a ficar juntos e desta vez para sempre. Qualquer destes estádios
funcionam como um bálsamo que nos dá força para resistir aos outros muitos
momentos em que somos atingidos por uma lucidez dolorosa, que nos rasga as
entranhas e quase nos derruba por completo. Estes momentos de doce loucura, em
que inventamos aquilo que nos protege, que nos defende do fim, por incrível que
pareça, trazem-nos até uma estranha forma de felicidade, em que a solidão
quase desaparece e a saudade amaina. Muitas vezes chamei-a de santa loucura, de
abençoada loucura!
Enquanto vagueamos entre os vários
estádios, o tempo vai passando, vamos sobrevivendo, mas não caminhamos,
continuamos parados no mesmo sítio, alternando apenas entre o fundo e o bucal
do poço no qual caímos. À medida que o tempo avança, os períodos de lucidez tornam-se demasiado frequentes, deixando-nos cada vez mais frágeis e com menos força para enveredar pelo mundo da fantasia. Acentua-se a busca de culpados, em que nos martirizamos por nos
culparmos do que poderíamos ter feito e não fizemos, do que deixámos de viver
com a pessoa amada. No meu caso a isto juntou-se a facto de o culpabilizar a
ele pela doença que provocou a sua partida e por me ter deixado aqui. E vem a revolta e os porquês e a
raiva com tudo o que nos rodeia e com aqueles que nos cercam, que nos dizem
palavras que estamos cansados de ouvir, que nos falam em tempo que não é o nosso e nos indicam curas milagrosas em que não acreditamos.
Quando deixei de conseguir encontrar
o mundo da ilusão e deixei de conseguir emergir ao bucal do poço e porque sabia
que o meu tempo de sobrevivência estava a esgotar-se, aceitei buscar ajuda, não
que esperasse alcançá-la, mas para apaziguar o coração àqueles que vieram de
mim e por ele, que temia estivesse a ver-me e o meu sofrimento o impedisse de
alcançar a paz. A procura de ajuda foi um gesto de amor! Amor por eles, não por mim!
Assim iniciei um ciclo de
psicoterapia e assim me perdoei, lhe perdoei, aceitei a sua partida e aprendi a
apreciar os bons momentos que vivemos lado a lado. Assim reaprendi a olhar ao
espelho e a ver-me, bem como a dar-me conta daquilo que me rodeia e a querer-me viva pelos que me ficaram, por aqueles que hão-de vir e também por mim mesma.
Assim regressei
à vida!
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