Este Conto de Carnaval foi escrito propositadamente para ser lido na Sessão de Actividades sobre o Carnaval, que teve lugar no sábado passado, no Polo de Leitura/ Espaço Internet.
Foi baseado nas recolhas que tenho feito em conversas com as "minhas meninas", nas sessões de voluntariado no Cercal, Aldeia do Cano e Colos.
Estava a aproximar-se o Carnaval!
Na escola da Mariana e do Pedro,
a professora propôs que fizessem uma pesquisa acerca do Carnaval de antigamente
e ainda sugeriu que alguma das crianças que tivesse uma avozinha ou um avozinho
já velhinhos, poderia convidá-lo(a) a ir à escola para contar como se divertia
no Carnaval, quando era criança.
A Mariana e o Pedro olharam um
para o outro e sorriram. Lembraram-se logo da bisavó Maria. Ela certamente
aceitaria o convite e não se importaria de ir contar a todos os meninos aquelas
histórias tão divertidas que lhes costumava contar a eles
Mal chegaram a casa, telefonaram
logo à bisavó e fizeram-lhe o convite com grande entusiasmo.
- Claro que vou! Mas digam-me com
tempo, porque tenho que me arranjar. Não vou para lá de qualquer maneira. –
Disse logo a bisavó.
A bisavó Maria tinha quase 90
anos, mas gostava de se pôr bonita. Ia de vez em quando à cabeleireira, ainda
gostava de pintar as unhas e quando saía, pintava os lábios e vestia a sua
melhor roupa.
As crianças achavam-lhe imensa
graça.
Depois de combinarem a data com a
professora, avisaram a bisavó Maria, para que ela tivesse tempo para os tais
preparativos.
No dia previsto, o pai levou as
crianças e a bisavó até à escola. A bisavó ia linda e muito animada,
distribuindo sorrisos por todas as crianças, pelas professoras, funcionários e
toda a gente que encontrava.
A Mariana e o Pedro estavam
radiantes! Aquela sua avó era um espanto! Velhota, mas mesmo fixe!
A professora recebeu-a com todo o
carinho, arranjou-lhe uma cadeira mais alta e confortável e todas as crianças
ficaram de olhos postos na bisavó Maria e no seu rosto iluminado por um sorriso
doce e bondoso.
Então bisavó Maria - Disse a
professora- conte-nos lá como se divertiam as crianças, os rapazes e as
raparigas no seu tempo de juventude.
Então a bisavó começou a contar:
- Quando eu era nova, chamávamos
Entrudo ao que agora chamam Carnaval.
Naquele tempo não havia lojas dos
Chineses, nem outras quaisquer onde pudéssemos comprar roupas para nos
mascararmos.
- Então não se mascaravam?-
perguntou uma criança
- Claro que nos mascarávamos!
Vestíamos roupas velhas dos pais ou avós, mas tinham que ser bem compridas para
não nos verem os pés e não nos conhecerem pelos sapatos.
Na cara púnhamos um trapo com uns
buracos na direcção dos olhos, para vermos o caminho, ou uma meia de vidro
preta. Alguns rapazes faziam caraças (que vocês chamam máscaras), com cortiça e
prendiam à cabeça com cordas ou arames. Não era fácil, tinham que furar a
cortiça para abrir o buraco dos olhos e abrir buracos dos lados para colocar as
cordas ou os arames.
Depois juntávamo-nos em grupinhos
com os irmãos, que nesse tempo eram sempre muitos, ou com amigos ou amigas e
íamos de porta em porta. Às vezes davam-nos bolos, ou uns “tostanitos”. Outras
pessoas zangavam-se e nem nos abriam a porta.
Lembro-me de uma vez que ia com a
minha mana, eu ia vestida de mulher e ela de homem. Eu levava ao colo um boneco
feito de pau e vestido, enrolado num xaile da minha avó, para parecer uma
criança de colo. Fomos bater a uma porta e a mulher veio toda zangada com um
pau na mão, para nos meter medo. Começámos a correr com medo e a certa altura a
minha caraça de trapo saiu do sítio e eu deixei de ver o caminho. Acabei por
cair num buraco, mas não fiquei mal. A minha mana ajudou-me a levantar e mesmo
às escuras, porque naquele tempo as ruas tinham luz fraca e outras nem tinham
nenhuma, ela ajudou-me a pôr os buracos na direcção dos olhos e ainda nos
fartámos de rir com o que aconteceu. Tivemos sorte nessa noite, porque na outra
casa onde batemos, deram-nos bolos e ainda umas moedinhas para comprarmos
rebuçados de meio tostão, que eram uma delícia.
As crianças riam da história da
bisavó Maria.
Continuou ela:
- Também costumávamos mandar
“presentes” umas às outras.
Apanhávamos bichos (ratinho
pequeno, lagartixa pequena, aranhas, gafanhotos…) e metíamos em caixas de
fósforos, embrulhávamos em papel e fazíamos um lacinho e depois mandávamos
entregar a uma amiga. Havia quem também mandasse cabeças de galos ou galinhas,
uns grãozinhos de arroz, ou de massa, 1 ou 2 feijões, ou grãos. Depois
escreviam um bilhetinho a dizer que era para fazerem o jantar no Dia de
Entrudo.
Havia quem juntasse os cacos da
loiça que se partia durante o ano, para depois ir atirar, ou deixar à porta de
outras pessoas. O que tinha sempre mais graça, era deixarem um penico partido à
porta de alguém.
Havia ainda os rabos, que
fazíamos com tirinhas de papel e prendíamos com um alfinete dobrado e depois
pendurávamos nas costas da roupa de quem ia a passar. Era uma risada, ver o
moço, ou a moça andar com o “rabo” pendurado!
Também alguns rapazes formavam
ranchos e faziam roupas com sacos e pregavam bugalhos e depois corriam a aldeia
a dançar e a cantar ao som de realejo. Chamavam-lhes os Ensaiados-
Havia ainda os bailes de máscaras,
onde dançavam e se divertiam.
As raparigas costumavam mascarar-se de homens e
os rapazes de mulher. Mas também podiam ir sem ser mascarados.
Havia também a
“cavalhadas”, em que alguns rapazes, em cima de burros, tinham que rebentar
balões que eram pendurados em traves altas.
Era muito divertido brincar ao
Entrudo! Quando era da vossa idade e mesmo depois, enquanto era nova, adorava!
– Dizia a bisavó Maria, de olhinhos a brilhar.
As crianças estavam deliciadas
com o que a bisavó Maria contava e a Mariana e o Pedro estavam orgulhosos com a
forma com a sua avozinha estava a portar-se.
No final a professora sugeriu que o tema do
próximo Carnaval, poderia ser “ O Carnaval no tempo das avozinhas”. Todas as crianças aplaudiram e a bisavó Maria
encantada, piscava o olho aos bisnetinhos que não se seguravam de tão contentes
que estavam, pois já sabiam que com tanta roupa que a bisavó Maria tinha no baú
do sótão, ideias não iriam faltar.
Mas a bisavó, que tinha o coração cheio de
bondade, ofereceu logo ajuda e roupa para alguma criança que não tivesse. Aí foram risos e palmas e a professora
convidou a bisavó Maria, para ajudar as crianças a trajarem-se no dia do Desfile. Ela aceitou de imediato e sentiu vontade de também ela participar
no Desfile… mas o pior é que as suas pernas já não aguentavam grandes
caminhadas…